
“Neste momento temos uma concentração” de fundos europeus que, “por si, revela o risco” de fraude. A análise é feita pelo procurador europeu de Portugal no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus. José Ranito explica que “a Procuradoria Europeia, por via do seu exercício, tem demonstrado que podem existir cifras negras relativamente àquilo que é a perceção da fraude”.
“Quando temos a preocupação de os nossos relatórios falarem de danos estimados que emergem daquilo que são as nossas avaliações, é precisamente para dar inputs aos decisores da União Europeia e, porventura, aos nacionais, se assim quiserem, de que a perceção da fraude está desalinhada com aquilo que estamos a constatar nos nossos processos”, sublinhou José Ranito.
O procurador europeu explica que “o propósito da Procuradoria Europeia é que, dentro de dez anos, não se conclua que” o Plano de Recuperação e Resiliência “foi outra janela perdida”, que “houve uma injeção de dinheiro para desenvolver o projeto europeu e, no final do dia, perdeu-se por conta de práticas fraudulentas”.
O sistema de deteção de fraudes “é complexo”, mas “é essencial” haver “boas parametrizações de risco”, sustenta, acrescentando que o verdadeiro efeito dissuasor da fraude é “uma Justiça eficaz, célebre, no tempo adequado, com respeito de todas as garantias”.
José Ranito não comenta o caso Manuel Serrão, por desconhecer os contornos, nem a “opção política” do Executivo de dispensar o visto prévio do Tribunal de Contas para projetos financiados com verbas comunitárias, um visto que classifica de “instrumento muito interessante”.
Temos vindo a assistir a uma proliferação de instrumentos de apoio comunitário, distribuídos a nível europeu ou nacional. Existe, por isso, um aumento da fraude com fundos europeus?
Portugal tem um documento que é a estratégia de combate à fraude de 2023, que identifica como o triângulo virtuoso da fraude três fatores: a oportunidade, a justificação e a pressão. A oportunidade manifesta-se quando existe uma grande concentração de dinheiro. A justificação, porque estamos perante um comportamento que aparentemente pode ser ilícito, uma justificação lícita alternativa. É isto que faz com que esta prática seja de tão difícil deteção, porque está paredes-meias com uma aparente legalidade, e a investigação destes casos é muito, muito complexa, porque envolve um aparelho legal cuja complexidade é assinalável, como tudo o que é regulamentar da União Europeia. E, por último, a pressão, a necessidade de consumir fundos a curto prazo, porque existem balizas, sob pena de perda desta oportunidade.
Neste momento temos uma concentração que, por si, revela o risco. Temos o quadro financeiro plurianual 21-27, que envolve a alocação de 1.200 milhões de euros, que coexiste com os programas de Next Generation EU acima dos 800 milhões de euros — 421 em subvenções e cerca de 380 milhões em empréstimos. E ainda temos a cauda do PT 2020 em Portugal
Que está na reta final.
Que está em conclusão. E existem estudos da Comissão que revelam que o nível de deteção é posterior. Portanto, sim. Esta acumulação de dinheiro, é um fator de pressão, de risco. Não temos critérios objetivos para dizer se a fraude aumenta ou não. O propósito da Procuradoria Europeia é que, dentro de dez anos, não se conclua que foi outra janela perdida. Houve uma injeção de dinheiro para desenvolver o projeto europeu e, no final do dia, perdeu-se por conta de práticas fraudulentas.
O propósito da Procuradoria Europeia é que, dentro de dez anos, não se conclua que foi outra janela perdida. Houve uma injeção de dinheiro para desenvolver o projeto europeu e, no final do dia, perdeu-se por conta de práticas fraudulentas.
O problema é o método que se utiliza para avaliar? O método de amostragem. Havia outro método mais eficiente para detetar estas fraudes de forma mais precoce?
O sistema é complexo. É um sistema cuja responsabilidade primária e última é da Comissão Europeia. A Comissão é o guardião da boa execução do orçamento, portanto, a estratégia anti-fraude é definida pela Comissão Europeia. Portugal não tem aqui grandes novidades, porque o aparelho de controlo é o que funciona em Portugal como em qualquer outro país.
É essencial termos boas parametrizações de risco. O Tribunal de Contas Europeu fala sobre isto. Por exemplo, Portugal tem um instrumento muito interessante: os vistos prévios do Tribunal de Contas. Não sei se a solução legal vai continuar a ser esta, digo desde já. Mas, na verdade, permite uma guarda avançada com a intervenção da auditoria que permite evitar que exista a contração de despesa com o risco de dissipação do princípio do value for money.
Mas se uma das medidas para acelerar o PRR é precisamente dispensar o visto prévio do Tribunal de Contas?
É uma opção de natureza política, que não me compete a mim comentar, se assim for. Mas diria que temos vários gatekeepers. A Comissão Europeia tem um sistema de AFCOS [Serviço de Coordenação Anti-Fraude], que são os órgãos de coordenação a nível nacional que são responsáveis pela implementação dos sistemas de controlo. Em Portugal, quem representa essa função é a IGF, que está credenciada pela Comissão, como uma entidade de excelência para desenvolver esta tarefa. Temos um sistema de deteção que assenta, por um lado, na parte da auditoria, evidentemente. Temos também as entidades de certificação, como por exemplo a Agência para o Desenvolvimento e Coesão. A transição digital nesta área também pode ser relevante. Porque um dos temas que está identificado, e tive a oportunidade de falar com vários responsáveis nesta matéria, é a necessidade de haver uma interoperabilidade das várias bases de dados informáticas que permitam o perfilamento de risco.
Posso dar o exemplo de dois casos. Na Lituânia, a propósito da mobilização de fundos da UE, como alerta de risco aos decisores políticos foi feito o mapeamento das propriedades que existiam, territorialmente, e depois perceber onde é que estavam preconizado o desenvolvimento de planos de estratégia nacional, para se perceber se porventura haveria uma transacionalidade que pudesse estar associada a fenómenos de abuso de poder, de corrupção, de manipulação deste tipo de negócios. Isto permitiu ter um mapa antecipado que ajudou os decisores políticos a tomarem ou não as decisões para prevenir um risco. A prevenção aqui é absolutamente nuclear.

E o segundo exemplo?
Em termos de identificação de padrões de risco, posso dar o exemplo do que se passa em Itália. A Guardia di Finanza, para além de ter um conjunto de efetivos assinalável, tem equipas dedicadas, que só trabalham em processos da Procuradoria Europeia, funcionam com uma análise agregada de um conjunto de bases de dados — bases de dados comerciais, fiscais, sobre fundos, sobre branqueamento de capitais — e isto permite-lhes, fazendo a junção, através de processos analíticos, evidentemente, fazer parametrizações de risco e projetar uma ação dirigida onde a perceção de risco é maior. E isto gera eficácia. Não diria que em Portugal teremos um sistema laxista, porque pura e simplesmente as pessoas não estão interessadas nesta matéria. Antes, pelo contrário, as interações que tenho tido com a IGF revelam precisamente uma posição de excelência em relação a esta matéria. O que diria é que nos faltam porventura ferramentas analíticas porque em termos humanos é impossível fazer fiscalização.
Mas se até o PRR tem verbas que permitem isso..
E estão a ser usadas. Tanto quanto é o meu conhecimento, parte da transição digital dos serviços pretende precisamente melhorar esta realidade.
Está confiante que essa interoperabilidade vai acontecer num futuro próximo?
Estamos a falar de um pacote de fundos cuja responsabilidade de gestão é direta da Comissão. E a Comissão é avaliada pelo Tribunal de Contas que emitirá no final a discharge à Comissão Europeia sobre se a sua performance a nível de controle de fraude foi ou não eficaz. Posso dizer, por outro lado, e isto é um dado interessante do nosso funcionamento, que a Procuradoria Europeia, por via do seu exercício, tem demonstrado que podem existir cifras negras relativamente àquilo que é a perceção da fraude. Quando temos a preocupação de os nossos relatórios falarem de danos estimados que emergem daquilo que são as nossas avaliações, é precisamente para dar inputs aos decisores da União Europeia e, porventura, aos nacionais, se assim quiserem, de que a perceção da fraude está desalinhada com aquilo que estamos a constatar nos nossos processos.
Um dos temas que está identificado, e tive a oportunidade de falar com vários responsáveis nesta matéria, é a necessidade de haver uma interoperabilidade das várias bases de dados informáticas que permitam o perfilamento de risco.
Um caso muito mediático em Portugal em termos de fraude com fundos europeus foi o caso Manuel Serrão. O uso indevido dos fundos arrastou-se ao longo de oito anos. No seu entender, como é possível um caso assim?
Confesso, em primeiro lugar, que desconheço os contornos do caso. Até ao dia 1 de junho de 2021, havia uma Procuradoria a operar em Portugal, a Procuradoria-Geral da República, com toda a sua estrutura de magistrados. Hoje existem duas, absolutamente independentes. Não nos instruímos reciprocamente, não recebemos indicações reciprocamente e fazemos o nosso caminho de forma completamente autónoma. É desejável que comuniquemos, que troquemos experiências sobre aquilo que são as boas práticas, que identifiquemos tendências para nos ajudarmos reciprocamente, porque, no final do dia, aquilo que se quer é o reforço da arquitetura antifraude. Confesso que não consigo opinar sobre, e nem poderia opinar sobre, como é que este tipo de casos pode acontecer. Não sei os contornos concretos relativamente àquilo que se passou com as autoridades de gestão e as entidades de controlo.
A solução para o combate à fraude passaria por uma moldura penal, por sanções muito mais duras, para ter um efeito dissuasor mais significativo?
O efeito dissuasor das penas é um tema dogmaticamente complexo, porque não assenta apenas na severidade das penas, assenta na efetividade da realização da justiça. É por isto que estamos tão preocupados com a ausência de equipas dedicadas, porque para nós há um tempo de reação adequado a nível de esclarecimento da verdade, seja ela qual for, tendente a uma acusação ou arquivamento. E aquilo que nos preocupa, e isto não é um problema exclusivamente português, porque está identificado no mapa da zona EPPO em outros países, é o atraso das investigações, mormente quando na sequência de buscas é apreendido um aparato de equipamentos informáticos que, pura e simplesmente permanecem para analisar um, dois anos. Isto não é aceitável. E portanto, se queremos falar de efeito dissuasor, uma Justiça eficaz, célebre, no tempo adequado, com respeito de todas as garantias, tem esse efeito dissuasor.

“Neste momento temos uma concentração” de fundos europeus que, “por si, revela o risco” de fraude. A análise é feita pelo procurador europeu de Portugal no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus. José Ranito explica que “a Procuradoria Europeia, por via do seu exercício, tem demonstrado que podem existir cifras negras relativamente àquilo que é a perceção da fraude”.
“Quando temos a preocupação de os nossos relatórios falarem de danos estimados que emergem daquilo que são as nossas avaliações, é precisamente para dar inputs aos decisores da União Europeia e, porventura, aos nacionais, se assim quiserem, de que a perceção da fraude está desalinhada com aquilo que estamos a constatar nos nossos processos”, sublinhou José Ranito.
O procurador europeu explica que “o propósito da Procuradoria Europeia é que, dentro de dez anos, não se conclua que” o Plano de Recuperação e Resiliência “foi outra janela perdida”, que “houve uma injeção de dinheiro para desenvolver o projeto europeu e, no final do dia, perdeu-se por conta de práticas fraudulentas”.
O sistema de deteção de fraudes “é complexo”, mas “é essencial” haver “boas parametrizações de risco”, sustenta, acrescentando que o verdadeiro efeito dissuasor da fraude é “uma Justiça eficaz, célebre, no tempo adequado, com respeito de todas as garantias”.
José Ranito não comenta o caso Manuel Serrão, por desconhecer os contornos, nem a “opção política” do Executivo de dispensar o visto prévio do Tribunal de Contas para projetos financiados com verbas comunitárias, um visto que classifica de “instrumento muito interessante”.
Temos vindo a assistir a uma proliferação de instrumentos de apoio comunitário, distribuídos a nível europeu ou nacional. Existe, por isso, um aumento da fraude com fundos europeus?
Portugal tem um documento que é a estratégia de combate à fraude de 2023, que identifica como o triângulo virtuoso da fraude três fatores: a oportunidade, a justificação e a pressão. A oportunidade manifesta-se quando existe uma grande concentração de dinheiro. A justificação, porque estamos perante um comportamento que aparentemente pode ser ilícito, uma justificação lícita alternativa. É isto que faz com que esta prática seja de tão difícil deteção, porque está paredes-meias com uma aparente legalidade, e a investigação destes casos é muito, muito complexa, porque envolve um aparelho legal cuja complexidade é assinalável, como tudo o que é regulamentar da União Europeia. E, por último, a pressão, a necessidade de consumir fundos a curto prazo, porque existem balizas, sob pena de perda desta oportunidade.
Neste momento temos uma concentração que, por si, revela o risco. Temos o quadro financeiro plurianual 21-27, que envolve a alocação de 1.200 milhões de euros, que coexiste com os programas de Next Generation EU acima dos 800 milhões de euros — 421 em subvenções e cerca de 380 milhões em empréstimos. E ainda temos a cauda do PT 2020 em Portugal
Que está na reta final.
Que está em conclusão. E existem estudos da Comissão que revelam que o nível de deteção é posterior. Portanto, sim. Esta acumulação de dinheiro, é um fator de pressão, de risco. Não temos critérios objetivos para dizer se a fraude aumenta ou não. O propósito da Procuradoria Europeia é que, dentro de dez anos, não se conclua que foi outra janela perdida. Houve uma injeção de dinheiro para desenvolver o projeto europeu e, no final do dia, perdeu-se por conta de práticas fraudulentas.
O propósito da Procuradoria Europeia é que, dentro de dez anos, não se conclua que foi outra janela perdida. Houve uma injeção de dinheiro para desenvolver o projeto europeu e, no final do dia, perdeu-se por conta de práticas fraudulentas.
O problema é o método que se utiliza para avaliar? O método de amostragem. Havia outro método mais eficiente para detetar estas fraudes de forma mais precoce?
O sistema é complexo. É um sistema cuja responsabilidade primária e última é da Comissão Europeia. A Comissão é o guardião da boa execução do orçamento, portanto, a estratégia anti-fraude é definida pela Comissão Europeia. Portugal não tem aqui grandes novidades, porque o aparelho de controlo é o que funciona em Portugal como em qualquer outro país.
É essencial termos boas parametrizações de risco. O Tribunal de Contas Europeu fala sobre isto. Por exemplo, Portugal tem um instrumento muito interessante: os vistos prévios do Tribunal de Contas. Não sei se a solução legal vai continuar a ser esta, digo desde já. Mas, na verdade, permite uma guarda avançada com a intervenção da auditoria que permite evitar que exista a contração de despesa com o risco de dissipação do princípio do value for money.
Mas se uma das medidas para acelerar o PRR é precisamente dispensar o visto prévio do Tribunal de Contas?
É uma opção de natureza política, que não me compete a mim comentar, se assim for. Mas diria que temos vários gatekeepers. A Comissão Europeia tem um sistema de AFCOS [Serviço de Coordenação Anti-Fraude], que são os órgãos de coordenação a nível nacional que são responsáveis pela implementação dos sistemas de controlo. Em Portugal, quem representa essa função é a IGF, que está credenciada pela Comissão, como uma entidade de excelência para desenvolver esta tarefa. Temos um sistema de deteção que assenta, por um lado, na parte da auditoria, evidentemente. Temos também as entidades de certificação, como por exemplo a Agência para o Desenvolvimento e Coesão. A transição digital nesta área também pode ser relevante. Porque um dos temas que está identificado, e tive a oportunidade de falar com vários responsáveis nesta matéria, é a necessidade de haver uma interoperabilidade das várias bases de dados informáticas que permitam o perfilamento de risco.
Posso dar o exemplo de dois casos. Na Lituânia, a propósito da mobilização de fundos da UE, como alerta de risco aos decisores políticos foi feito o mapeamento das propriedades que existiam, territorialmente, e depois perceber onde é que estavam preconizado o desenvolvimento de planos de estratégia nacional, para se perceber se porventura haveria uma transacionalidade que pudesse estar associada a fenómenos de abuso de poder, de corrupção, de manipulação deste tipo de negócios. Isto permitiu ter um mapa antecipado que ajudou os decisores políticos a tomarem ou não as decisões para prevenir um risco. A prevenção aqui é absolutamente nuclear.

E o segundo exemplo?
Em termos de identificação de padrões de risco, posso dar o exemplo do que se passa em Itália. A Guardia di Finanza, para além de ter um conjunto de efetivos assinalável, tem equipas dedicadas, que só trabalham em processos da Procuradoria Europeia, funcionam com uma análise agregada de um conjunto de bases de dados — bases de dados comerciais, fiscais, sobre fundos, sobre branqueamento de capitais — e isto permite-lhes, fazendo a junção, através de processos analíticos, evidentemente, fazer parametrizações de risco e projetar uma ação dirigida onde a perceção de risco é maior. E isto gera eficácia. Não diria que em Portugal teremos um sistema laxista, porque pura e simplesmente as pessoas não estão interessadas nesta matéria. Antes, pelo contrário, as interações que tenho tido com a IGF revelam precisamente uma posição de excelência em relação a esta matéria. O que diria é que nos faltam porventura ferramentas analíticas porque em termos humanos é impossível fazer fiscalização.
Mas se até o PRR tem verbas que permitem isso..
E estão a ser usadas. Tanto quanto é o meu conhecimento, parte da transição digital dos serviços pretende precisamente melhorar esta realidade.
Está confiante que essa interoperabilidade vai acontecer num futuro próximo?
Estamos a falar de um pacote de fundos cuja responsabilidade de gestão é direta da Comissão. E a Comissão é avaliada pelo Tribunal de Contas que emitirá no final a discharge à Comissão Europeia sobre se a sua performance a nível de controle de fraude foi ou não eficaz. Posso dizer, por outro lado, e isto é um dado interessante do nosso funcionamento, que a Procuradoria Europeia, por via do seu exercício, tem demonstrado que podem existir cifras negras relativamente àquilo que é a perceção da fraude. Quando temos a preocupação de os nossos relatórios falarem de danos estimados que emergem daquilo que são as nossas avaliações, é precisamente para dar inputs aos decisores da União Europeia e, porventura, aos nacionais, se assim quiserem, de que a perceção da fraude está desalinhada com aquilo que estamos a constatar nos nossos processos.
Um dos temas que está identificado, e tive a oportunidade de falar com vários responsáveis nesta matéria, é a necessidade de haver uma interoperabilidade das várias bases de dados informáticas que permitam o perfilamento de risco.
Um caso muito mediático em Portugal em termos de fraude com fundos europeus foi o caso Manuel Serrão. O uso indevido dos fundos arrastou-se ao longo de oito anos. No seu entender, como é possível um caso assim?
Confesso, em primeiro lugar, que desconheço os contornos do caso. Até ao dia 1 de junho de 2021, havia uma Procuradoria a operar em Portugal, a Procuradoria-Geral da República, com toda a sua estrutura de magistrados. Hoje existem duas, absolutamente independentes. Não nos instruímos reciprocamente, não recebemos indicações reciprocamente e fazemos o nosso caminho de forma completamente autónoma. É desejável que comuniquemos, que troquemos experiências sobre aquilo que são as boas práticas, que identifiquemos tendências para nos ajudarmos reciprocamente, porque, no final do dia, aquilo que se quer é o reforço da arquitetura antifraude. Confesso que não consigo opinar sobre, e nem poderia opinar sobre, como é que este tipo de casos pode acontecer. Não sei os contornos concretos relativamente àquilo que se passou com as autoridades de gestão e as entidades de controlo.
A solução para o combate à fraude passaria por uma moldura penal, por sanções muito mais duras, para ter um efeito dissuasor mais significativo?
O efeito dissuasor das penas é um tema dogmaticamente complexo, porque não assenta apenas na severidade das penas, assenta na efetividade da realização da justiça. É por isto que estamos tão preocupados com a ausência de equipas dedicadas, porque para nós há um tempo de reação adequado a nível de esclarecimento da verdade, seja ela qual for, tendente a uma acusação ou arquivamento. E aquilo que nos preocupa, e isto não é um problema exclusivamente português, porque está identificado no mapa da zona EPPO em outros países, é o atraso das investigações, mormente quando na sequência de buscas é apreendido um aparato de equipamentos informáticos que, pura e simplesmente permanecem para analisar um, dois anos. Isto não é aceitável. E portanto, se queremos falar de efeito dissuasor, uma Justiça eficaz, célebre, no tempo adequado, com respeito de todas as garantias, tem esse efeito dissuasor.
source https://eco.sapo.pt/entrevista/percecao-da-fraude-esta-desalinhada-com-o-que-estamos-a-constatar/