
A componente de empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência poderá não ser executada na sua totalidade, admite João Leão. Para o membro português do Tribunal de Contas Europeu o “tempo curto” que os Estados-membros têm para executar a bazuca europeia vai resultar na impossibilidade de usar todas as verbas, por isso sublinha que é fundamental passar todos os investimentos possíveis para subvenções e usar todos os meios para tentar acelerar a execução.
“Do ponto de vista do interesse dos Estados-membros, temos de fazer tudo para conseguir executar ao máximo as subvenções, porque são dadas. É uma perda dos Estados-membros se não as executar”, defende João Leão, no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.
E para acelerar a execução é necessário revisitar os mecanismos de contratação pública. “Tenho constatado problemas sucessivos”, afirma. “Um dos grandes problemas da contratação pública tem a ver não só com o processo em si, mas também com as contestações. Muitas vezes há um vencedor do concurso, mas um candidato contesta a decisão. Tudo o que puder ser feito, no sentido de que isso não tenha um efeito suspensivo do processo de contratação pública é positivo”, sugere. Por outro lado, defende que é preciso “ter algum cuidado na forma como são feitos os cadernos de encargos” já que devem ser “feitos de forma mais realista”.
E quanto à possibilidade de se eliminar o visto prévio do Tribunal de Contas, uma figura que não é transversal a todos os países europeus, o antigo ministro das Finanças diz que não se quer pronunciar em concreto. Mas defende que “tudo o que deve ser feito a esse nível também [é positivo], sobretudo no que toca a questões de financiamento europeu”. “Situações em que pode estar a colocar em causa recebimento de verbas por Estados-membros, deve-se procurar mecanismos mais ágeis”, sublinha.
O membro português do Tribunal de Contas Europeu, que esteve em Portugal a semana passada para apresentar as conclusões do último relatório anual da instituição, considera que a garantia que o visto prévio dá em termos de cumprimento das regras “pode, eventualmente, ser compensada com outros mecanismos feitos a posteriori“. Mas o responsável questiona se “os próprios organismos não têm a necessidade de validação” do visto prévio, “para se sentirem mais seguros e avançar com o processo”.
João Leão sublinha que “a Comissão tem mostrado grande flexibilidade”ao nível da execução da bazuca e deu “mesmo orientações aos Estados-membros, para ajudar a conseguir executar a percentagem mais elevada possível das subvenções”. “Se temos marcos e metas que estão nos empréstimos, que sabemos que vão ser executados, se pudermos transitá-los dos empréstimos para as subvenções, isso é um ganho para o país”, defende. Mas há mais dicas: aumentar o capital do Banco de Fomento, com a condição de ficar afeto a determinadas áreas, criar mecanismos, através do InvestEU, e outros mecanismos de apoio às empresas a nível financeiro, ou investir na Defesa. Tudo soluções que servem como marco ou meta e cujo efeito na economia é transferido para anos posteriores.
Disse que a execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência está aquém das expectativas. Bruxelas vai permitir que os Estados-membros tenham mais tempo para executar?
Estamos no último ano de execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Os números do Tribunal de Contas Europeu mostram que, a nível europeu, ainda falta executar cerca de metade do pacote dos PRR a nível europeu. Vai ser um desafio muito grande. Portugal e os outros Estados-membros têm até agosto do próximo ano para cumprir os marcos e as metas, que ainda vão disponibilizar cerca de 50% do pacote. Em Portugal, entre subvenções e empréstimos, traduz-se num valor próximo de cerca de dez mil milhões de euros. É um valor massivo, que é suposto chegar à economia portuguesa, pelo menos ao Estado português, depois vamos ver quando é que chega à economia portuguesa, porque há alguma margem para que alguma das verbas chegue à economia portuguesa um pouco mais tarde.
Mas, acredita que Bruxelas vai dar mais tempo para além de agosto de 2026?
Cabe aos Estados-membros e à Comissão Europeia fazer isso. O Tribunal de Contas não tem uma posição sobre isso. Mas, neste momento, parece-me que é pouco provável que o prazo seja estendido. A aposta tem sido flexibilizar por parte da Comissão Europeia, no sentido de permitir reprogramações… Facilitar a execução. Não é um problema de Portugal. É um problema generalizado de execução a nível europeu, porque este Mecanismo de Recuperação e Resiliência, desde o início, deixou pouco tempo para os Estados-membros executarem. Era um mecanismo totalmente novo, com instrumentos novos, que vinha sobrepor-se ao que já existia. Era um desafio adicional fazer esta execução em tão pouco tempo.
Estou convencido que os diferentes Estados-membros vão conseguir executar uma percentagem relativamente elevada das subvenções.
Apesar de faltar muito pouco tempo e dada a flexibilidade que existe, estou convencido que os diferentes Estados-membros vão conseguir executar uma percentagem relativamente elevada das subvenções. Penso que a parte que vai ficar um pouco mais… será a componente dos empréstimos que não é tão decisiva para os Estados-membros, do ponto de vista do financiamento. Outra coisa é se os projetos andam ou não e se isso é bom ou não. No caso de Portugal, dada a situação positiva das finanças públicas e a situação positiva do financiamento no mercado do Estado português, os custos de empréstimo de Portugal são aproximadamente semelhantes aos custos dos empréstimos.
Mas o prazo do empréstimo PRR é bastante mais longo. Desse ponto de vista, acaba por ser mais vantajoso?
Mesmo nessa dimensão, para maturidades equivalentes, os custos de financiamento não são, hoje em dia, muito diferentes. Mas introduziu um ponto importante: a diversificação das fontes de financiamento. Para o Estado português, quanto mais puder diversificar a forma como se financia, mais positivo é e, nesse sentido, há mais-valia.
Portugal vai acabar por deixar para trás alguns desses investimentos, seja pela facilidade de poder financiar estes projetos (que estão na gaveta dos empréstimos) com outra fonte de financiamento ou pelo peso negativo que os empréstimos têm ao nível das contas públicas?
É importante chamar a atenção que não é tanto uma questão de deixar para trás os investimentos por opção, é uma questão de conseguir executar. A ênfase é na capacidade de conseguirmos executar os marcos e metas até agosto do próximo ano. Se temos marcos e metas que estão nos empréstimos, que sabemos que vão ser executados, se pudermos transitá-los dos empréstimos para as subvenções (aquilo que é concedido sem termos de reembolsar à União Europeia, portanto é dado ao Estado português), isso é um ganho para o país. É natural que os diferentes Estados-membros transfiram ou façam uma reafetação, uma reprogramação para subvenções, porque aí conseguimos obter essas verbas. Nesse sentido, é natural que, por isso mesmo, a verba dos empréstimos não seja totalmente executada.
É natural que os diferentes Estados-membros transfiram ou façam uma reafetação, uma reprogramação para subvenções, porque aí conseguimos obter essas verbas. Nesse sentido, é natural que a verba dos empréstimos não seja totalmente executada.
Estamos a desperdiçar o efeito da bazuca?
Nas subvenções, há uma outra coisa importante. Dada esta dificuldade a nível europeu, a Comissão tem mostrado grande flexibilidade, tendo mesmo dado orientações aos Estados-membros para ajudar a conseguir executar a percentagem mais elevada possível das subvenções. Além de transferir empréstimos para subvenções, o que possa ser executado para aumentar a percentagem de subvenções executadas, cria mecanismos, sobretudo ao nível financeiro, quer através de aumentos de capital do Banco de Fomento, basta que fique afeto a determinadas áreas, já serve como marco e meta. É natural que depois o seu efeito na economia seja transferido para anos posteriores, para 27, 28, porque o aumento de capital em si do Banco de Fomento não vai ter impacto na economia no próximo ano. Depois também cria mecanismos, através do InvestEU e outros mecanismos de apoio às empresas a nível financeiro, que não precisam ter chegado à economia no próximo ano. Basta haver a criação destes mecanismos com os contratos de financiamento preparados e fechados para que, se considerado um marco e meta, para o Estado português poder receber essas verbas. Mais uma vez, uma boa parte destes efeitos vai ser diferido para 27, 28 e anos seguintes.
E até na Defesa, com o mecanismo europeu para a indústria europeia, Portugal até pode fazer contribuições voluntárias — mais uma vez, são meras contribuições voluntárias que tem de fazer durante o próximo ano — executa o marco e meta, mas depois o efeito disso sobre a indústria e setor da Defesa em Portugal vai ser para anos posteriores.
Vamos ao Banco de Fomento. É uma boa opção de gestão colocar as sobras do PRR, do que não se consegue executar a tempo, no Banco de Fomento?
Do ponto de vista do interesse dos Estados-membros, temos de fazer tudo para conseguir executar ao máximo as subvenções, porque são dadas. É uma perda dos Estados-membros se não as executar. Outra coisa é o ponto de vista da União Europeia, que já tem outras preocupações. Para tudo o que houver de sobras há diferentes opções, como já referi: entre o aumento de capital do BPF, o InvestEU, outros instrumentos financeiros, ou na parte da defesa. São opções a que a Comissão abre a porta e, muitas vezes, são meras transferências que é preciso fazer. E consegue-se fazer em pouco tempo.
Grande parte da aposta que a UE está a fazer na Defesa assenta em empréstimos. Há mesmo uma pré-alocação já atribuída a Portugal. Mas, os Estados-membros puderam pedir uma cláusula de derrogação para que não venham a pesar nas contas públicas. Devia ter sido feito o mesmo com os empréstimos do PRR?
A Defesa é um contexto um pouco diferente. Mais do que dizer o que é que devia ser feito, prefiro explicar o contexto. A UE e os Estados-membros entendem que têm uma grande prioridade na área de defesa, no âmbito da NATO têm um objetivo de grande aumento da despesa, e Estados-membros, como França, Espanha e Itália — não tanto Portugal — têm menos margem orçamental, a França tem uma margem orçamental praticamente inexistente. Portanto, a única forma de conseguirem [investir em defesa], sem comprometer os objetivos que têm ao nível da governação económica, é com esta cláusula. Depois da crise da pandemia, do choque da inflação e do grande aumento dos preços de energia, alguns países — não foi o caso de Portugal que conseguiu sair da pandemia com as contas públicas equilibradas — saíram com contas públicas com mais dificuldade.
Se a maior parte dos países não está a executar à velocidade devida, muitos provavelmente não vão executar os empréstimos, por questões de tempo ou de preocupação com as contas públicas, para garantir o efeito e a virtude da bazuca não se deveria ter também excluído a contabilização dos empréstimos na dívida pública?
É uma excelente questão, não me vou pronunciar se deveria ou não ter sido. Mas queria chamar a atenção para dois aspetos que ajudam a enquadrar a questão que colocou. Os países que tinham algumas dificuldades ao nível de finanças públicas, como é o caso da Itália em particular, decidiu usar plenamente os empréstimos, não foi limitativo na sua decisão de usar totalmente os empréstimos. O principal fator, a nível europeu, que está limitar a plena utilização dos empréstimos, são menos questões de natureza orçamental e financeira, mas a própria execução. O grande problema é a grande dificuldade de executar tudo até ao próximo verão.
Como se explica que, mesmo com subvenções (dinheiro dado), não se verificou uma evolução mais rápida do investimento público em Portugal?
É uma excelente questão. Da minha experiência, não só da análise das contas a nível europeu, mas também em Portugal, há processos de despesa que são muito complicados e muito demorados. Tudo o que é investimento público, construir infraestruturas, no processo de licenciamento e de contratação pública, nas análises de impacte ambiental, são processos extremamente demorados. A obra da linha circular do Metro de Lisboa foi lançada em 2019, devia ter sido concluída em 2023, ainda não está concluída. Por isso é que, neste momento, a maior parte dos grandes beneficiários do PRR — os países do Sul da Europa e alguns países do Leste – estão a reprogramar grande parte das verbas que tinham em grandes infraestruturas pesadas, tirando da parte de subvenções colocando em empréstimos, ou retirando mesmo do PRR. Há um determinado tipo de despesas, que são mais fáceis de executar.
Fazer um aumento de capital de um banco de fomento é algo que se faz de forma relativamente rápida. Mas o processo de fazer uma obra de metros ou de outras infraestruturas são processos muitas vezes que se arrastam no tempo. E a minha experiência mostra que isso é uma coisa que tem acontecido ao longo de décadas em Portugal.
O problema está identificado há muito. O que se pode fazer para alterar isto? Porque é que os partidos não se entendem e não se encontra uma solução para acelerar este tipo de investimentos?
Há aqui vários desafios. Um tem uma natureza mais conjuntural. No caso de Portugal, o setor da construção vinha do período da troika, em que reduziu muito a sua capacidade, e agora está a passar para o ciclo oposto, está em grande expansão. Ao nível do setor da construção não havia a capacidade para responder rapidamente. Alguns concursos acabaram por ficar desertos. Foi necessário rever os montantes, porque não havia capacidade para dar resposta.
Do ponto de vista do interesse dos Estados-membros, temos de fazer tudo para conseguir executar ao máximo as subvenções, porque são dadas. É uma perda dos Estados-membros se não as executar.
Depois há dificuldades ao nível do licenciamento e também da contratação pública.
Ao nível da contratação pública tem havido alguns esforços. Um dos grandes problemas da contratação pública tem a ver não só com o processo em si, mas também com as contestações. Muitas vezes há um vencedor do concurso, mas um candidato contesta a decisão. Tudo o que puder ser feito, no sentido de que isso não tenha um efeito suspensivo do processo de contratação pública é positivo. Foram dados alguns passos, mas ainda subsiste.
E a possibilidade de se eliminar o visto prévio do Tribunal de Contas?
Não queria pronunciar-me em concreto. Mas tudo o que deve ser feito a esse nível também [é positivo], sobretudo no que toca a questões de financiamento europeu. Situações em que pode estar a colocar em causa recebimento de verbas por Estados-membros, deve-se procurar mecanismos mais ágeis. Temos em Portugal essa tradição do visto prévio.
Mas há muitos países que não têm.
Há muitos países que não têm. Isso não é uma coisa transversal a nível europeu.
A existência do visto prévio é fundamental para garantir que as regras são cumpridas? Ou há outros mecanismos?
Pode eventualmente ser compensado com outros mecanismos feitos a posteriori. Também há aqui uma outra dúvida, é saber se em alguns casos os próprios organismos não têm essa necessidade de validação para se sentirem mais seguros e avançar com o processo. Mas quando está em causa aqui questões de subvenções, é do interesse dos Estados-membros tentar avançar o mais rapidamente para evitar correr o risco de não só se atrasarem os investimentos, mas também de receber verbas a nível europeu.
Tem alguma sugestão para tentar acelerar a contratação pública de uma forma genérica e não apenas relacionada com os fundos europeus?
Não sendo especialista em contratação pública, tenho constatado várias vezes, na minha experiência, problemas sucessivos. Uma das áreas mais críticas é a questão da contestação poder levar à suspensão dos concursos. Outra coisa é ter algum cuidado na forma como são feitos os cadernos de encargos – serem feitos de forma mais realista. Tivemos o azar do período de inflação, que criou um problema adicional, porque muitas vezes foram feitos os cadernos de encargos e depois ninguém concorria porque os preços eram demasiado baixos. Não só o setor, de repente, teve uma grande procura e não conseguia responder a tudo, mas também houve um efeito da inflação sobretudo logo a seguir à invasão da Ucrânia, em que o preço de muitos materiais subiu de tal modo que as próprias empresas se sentiam inseguras sobre qual o valor a atribuir a cada empreitada.

A componente de empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência poderá não ser executada na sua totalidade, admite João Leão. Para o membro português do Tribunal de Contas Europeu o “tempo curto” que os Estados-membros têm para executar a bazuca europeia vai resultar na impossibilidade de usar todas as verbas, por isso sublinha que é fundamental passar todos os investimentos possíveis para subvenções e usar todos os meios para tentar acelerar a execução.
“Do ponto de vista do interesse dos Estados-membros, temos de fazer tudo para conseguir executar ao máximo as subvenções, porque são dadas. É uma perda dos Estados-membros se não as executar”, defende João Leão, no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.
E para acelerar a execução é necessário revisitar os mecanismos de contratação pública. “Tenho constatado problemas sucessivos”, afirma. “Um dos grandes problemas da contratação pública tem a ver não só com o processo em si, mas também com as contestações. Muitas vezes há um vencedor do concurso, mas um candidato contesta a decisão. Tudo o que puder ser feito, no sentido de que isso não tenha um efeito suspensivo do processo de contratação pública é positivo”, sugere. Por outro lado, defende que é preciso “ter algum cuidado na forma como são feitos os cadernos de encargos” já que devem ser “feitos de forma mais realista”.
E quanto à possibilidade de se eliminar o visto prévio do Tribunal de Contas, uma figura que não é transversal a todos os países europeus, o antigo ministro das Finanças diz que não se quer pronunciar em concreto. Mas defende que “tudo o que deve ser feito a esse nível também [é positivo], sobretudo no que toca a questões de financiamento europeu”. “Situações em que pode estar a colocar em causa recebimento de verbas por Estados-membros, deve-se procurar mecanismos mais ágeis”, sublinha.
O membro português do Tribunal de Contas Europeu, que esteve em Portugal a semana passada para apresentar as conclusões do último relatório anual da instituição, considera que a garantia que o visto prévio dá em termos de cumprimento das regras “pode, eventualmente, ser compensada com outros mecanismos feitos a posteriori“. Mas o responsável questiona se “os próprios organismos não têm a necessidade de validação” do visto prévio, “para se sentirem mais seguros e avançar com o processo”.
João Leão sublinha que “a Comissão tem mostrado grande flexibilidade”ao nível da execução da bazuca e deu “mesmo orientações aos Estados-membros, para ajudar a conseguir executar a percentagem mais elevada possível das subvenções”. “Se temos marcos e metas que estão nos empréstimos, que sabemos que vão ser executados, se pudermos transitá-los dos empréstimos para as subvenções, isso é um ganho para o país”, defende. Mas há mais dicas: aumentar o capital do Banco de Fomento, com a condição de ficar afeto a determinadas áreas, criar mecanismos, através do InvestEU, e outros mecanismos de apoio às empresas a nível financeiro, ou investir na Defesa. Tudo soluções que servem como marco ou meta e cujo efeito na economia é transferido para anos posteriores.
Disse que a execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência está aquém das expectativas. Bruxelas vai permitir que os Estados-membros tenham mais tempo para executar?
Estamos no último ano de execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Os números do Tribunal de Contas Europeu mostram que, a nível europeu, ainda falta executar cerca de metade do pacote dos PRR a nível europeu. Vai ser um desafio muito grande. Portugal e os outros Estados-membros têm até agosto do próximo ano para cumprir os marcos e as metas, que ainda vão disponibilizar cerca de 50% do pacote. Em Portugal, entre subvenções e empréstimos, traduz-se num valor próximo de cerca de dez mil milhões de euros. É um valor massivo, que é suposto chegar à economia portuguesa, pelo menos ao Estado português, depois vamos ver quando é que chega à economia portuguesa, porque há alguma margem para que alguma das verbas chegue à economia portuguesa um pouco mais tarde.
Mas, acredita que Bruxelas vai dar mais tempo para além de agosto de 2026?
Cabe aos Estados-membros e à Comissão Europeia fazer isso. O Tribunal de Contas não tem uma posição sobre isso. Mas, neste momento, parece-me que é pouco provável que o prazo seja estendido. A aposta tem sido flexibilizar por parte da Comissão Europeia, no sentido de permitir reprogramações… Facilitar a execução. Não é um problema de Portugal. É um problema generalizado de execução a nível europeu, porque este Mecanismo de Recuperação e Resiliência, desde o início, deixou pouco tempo para os Estados-membros executarem. Era um mecanismo totalmente novo, com instrumentos novos, que vinha sobrepor-se ao que já existia. Era um desafio adicional fazer esta execução em tão pouco tempo.
Estou convencido que os diferentes Estados-membros vão conseguir executar uma percentagem relativamente elevada das subvenções.
Apesar de faltar muito pouco tempo e dada a flexibilidade que existe, estou convencido que os diferentes Estados-membros vão conseguir executar uma percentagem relativamente elevada das subvenções. Penso que a parte que vai ficar um pouco mais… será a componente dos empréstimos que não é tão decisiva para os Estados-membros, do ponto de vista do financiamento. Outra coisa é se os projetos andam ou não e se isso é bom ou não. No caso de Portugal, dada a situação positiva das finanças públicas e a situação positiva do financiamento no mercado do Estado português, os custos de empréstimo de Portugal são aproximadamente semelhantes aos custos dos empréstimos.
Mas o prazo do empréstimo PRR é bastante mais longo. Desse ponto de vista, acaba por ser mais vantajoso?
Mesmo nessa dimensão, para maturidades equivalentes, os custos de financiamento não são, hoje em dia, muito diferentes. Mas introduziu um ponto importante: a diversificação das fontes de financiamento. Para o Estado português, quanto mais puder diversificar a forma como se financia, mais positivo é e, nesse sentido, há mais-valia.
Portugal vai acabar por deixar para trás alguns desses investimentos, seja pela facilidade de poder financiar estes projetos (que estão na gaveta dos empréstimos) com outra fonte de financiamento ou pelo peso negativo que os empréstimos têm ao nível das contas públicas?
É importante chamar a atenção que não é tanto uma questão de deixar para trás os investimentos por opção, é uma questão de conseguir executar. A ênfase é na capacidade de conseguirmos executar os marcos e metas até agosto do próximo ano. Se temos marcos e metas que estão nos empréstimos, que sabemos que vão ser executados, se pudermos transitá-los dos empréstimos para as subvenções (aquilo que é concedido sem termos de reembolsar à União Europeia, portanto é dado ao Estado português), isso é um ganho para o país. É natural que os diferentes Estados-membros transfiram ou façam uma reafetação, uma reprogramação para subvenções, porque aí conseguimos obter essas verbas. Nesse sentido, é natural que, por isso mesmo, a verba dos empréstimos não seja totalmente executada.
É natural que os diferentes Estados-membros transfiram ou façam uma reafetação, uma reprogramação para subvenções, porque aí conseguimos obter essas verbas. Nesse sentido, é natural que a verba dos empréstimos não seja totalmente executada.
Estamos a desperdiçar o efeito da bazuca?
Nas subvenções, há uma outra coisa importante. Dada esta dificuldade a nível europeu, a Comissão tem mostrado grande flexibilidade, tendo mesmo dado orientações aos Estados-membros para ajudar a conseguir executar a percentagem mais elevada possível das subvenções. Além de transferir empréstimos para subvenções, o que possa ser executado para aumentar a percentagem de subvenções executadas, cria mecanismos, sobretudo ao nível financeiro, quer através de aumentos de capital do Banco de Fomento, basta que fique afeto a determinadas áreas, já serve como marco e meta. É natural que depois o seu efeito na economia seja transferido para anos posteriores, para 27, 28, porque o aumento de capital em si do Banco de Fomento não vai ter impacto na economia no próximo ano. Depois também cria mecanismos, através do InvestEU e outros mecanismos de apoio às empresas a nível financeiro, que não precisam ter chegado à economia no próximo ano. Basta haver a criação destes mecanismos com os contratos de financiamento preparados e fechados para que, se considerado um marco e meta, para o Estado português poder receber essas verbas. Mais uma vez, uma boa parte destes efeitos vai ser diferido para 27, 28 e anos seguintes.
E até na Defesa, com o mecanismo europeu para a indústria europeia, Portugal até pode fazer contribuições voluntárias — mais uma vez, são meras contribuições voluntárias que tem de fazer durante o próximo ano — executa o marco e meta, mas depois o efeito disso sobre a indústria e setor da Defesa em Portugal vai ser para anos posteriores.
Vamos ao Banco de Fomento. É uma boa opção de gestão colocar as sobras do PRR, do que não se consegue executar a tempo, no Banco de Fomento?
Do ponto de vista do interesse dos Estados-membros, temos de fazer tudo para conseguir executar ao máximo as subvenções, porque são dadas. É uma perda dos Estados-membros se não as executar. Outra coisa é o ponto de vista da União Europeia, que já tem outras preocupações. Para tudo o que houver de sobras há diferentes opções, como já referi: entre o aumento de capital do BPF, o InvestEU, outros instrumentos financeiros, ou na parte da defesa. São opções a que a Comissão abre a porta e, muitas vezes, são meras transferências que é preciso fazer. E consegue-se fazer em pouco tempo.
Grande parte da aposta que a UE está a fazer na Defesa assenta em empréstimos. Há mesmo uma pré-alocação já atribuída a Portugal. Mas, os Estados-membros puderam pedir uma cláusula de derrogação para que não venham a pesar nas contas públicas. Devia ter sido feito o mesmo com os empréstimos do PRR?
A Defesa é um contexto um pouco diferente. Mais do que dizer o que é que devia ser feito, prefiro explicar o contexto. A UE e os Estados-membros entendem que têm uma grande prioridade na área de defesa, no âmbito da NATO têm um objetivo de grande aumento da despesa, e Estados-membros, como França, Espanha e Itália — não tanto Portugal — têm menos margem orçamental, a França tem uma margem orçamental praticamente inexistente. Portanto, a única forma de conseguirem [investir em defesa], sem comprometer os objetivos que têm ao nível da governação económica, é com esta cláusula. Depois da crise da pandemia, do choque da inflação e do grande aumento dos preços de energia, alguns países — não foi o caso de Portugal que conseguiu sair da pandemia com as contas públicas equilibradas — saíram com contas públicas com mais dificuldade.
Se a maior parte dos países não está a executar à velocidade devida, muitos provavelmente não vão executar os empréstimos, por questões de tempo ou de preocupação com as contas públicas, para garantir o efeito e a virtude da bazuca não se deveria ter também excluído a contabilização dos empréstimos na dívida pública?
É uma excelente questão, não me vou pronunciar se deveria ou não ter sido. Mas queria chamar a atenção para dois aspetos que ajudam a enquadrar a questão que colocou. Os países que tinham algumas dificuldades ao nível de finanças públicas, como é o caso da Itália em particular, decidiu usar plenamente os empréstimos, não foi limitativo na sua decisão de usar totalmente os empréstimos. O principal fator, a nível europeu, que está limitar a plena utilização dos empréstimos, são menos questões de natureza orçamental e financeira, mas a própria execução. O grande problema é a grande dificuldade de executar tudo até ao próximo verão.
Como se explica que, mesmo com subvenções (dinheiro dado), não se verificou uma evolução mais rápida do investimento público em Portugal?
É uma excelente questão. Da minha experiência, não só da análise das contas a nível europeu, mas também em Portugal, há processos de despesa que são muito complicados e muito demorados. Tudo o que é investimento público, construir infraestruturas, no processo de licenciamento e de contratação pública, nas análises de impacte ambiental, são processos extremamente demorados. A obra da linha circular do Metro de Lisboa foi lançada em 2019, devia ter sido concluída em 2023, ainda não está concluída. Por isso é que, neste momento, a maior parte dos grandes beneficiários do PRR — os países do Sul da Europa e alguns países do Leste – estão a reprogramar grande parte das verbas que tinham em grandes infraestruturas pesadas, tirando da parte de subvenções colocando em empréstimos, ou retirando mesmo do PRR. Há um determinado tipo de despesas, que são mais fáceis de executar.
Fazer um aumento de capital de um banco de fomento é algo que se faz de forma relativamente rápida. Mas o processo de fazer uma obra de metros ou de outras infraestruturas são processos muitas vezes que se arrastam no tempo. E a minha experiência mostra que isso é uma coisa que tem acontecido ao longo de décadas em Portugal.
O problema está identificado há muito. O que se pode fazer para alterar isto? Porque é que os partidos não se entendem e não se encontra uma solução para acelerar este tipo de investimentos?
Há aqui vários desafios. Um tem uma natureza mais conjuntural. No caso de Portugal, o setor da construção vinha do período da troika, em que reduziu muito a sua capacidade, e agora está a passar para o ciclo oposto, está em grande expansão. Ao nível do setor da construção não havia a capacidade para responder rapidamente. Alguns concursos acabaram por ficar desertos. Foi necessário rever os montantes, porque não havia capacidade para dar resposta.
Do ponto de vista do interesse dos Estados-membros, temos de fazer tudo para conseguir executar ao máximo as subvenções, porque são dadas. É uma perda dos Estados-membros se não as executar.
Depois há dificuldades ao nível do licenciamento e também da contratação pública.
Ao nível da contratação pública tem havido alguns esforços. Um dos grandes problemas da contratação pública tem a ver não só com o processo em si, mas também com as contestações. Muitas vezes há um vencedor do concurso, mas um candidato contesta a decisão. Tudo o que puder ser feito, no sentido de que isso não tenha um efeito suspensivo do processo de contratação pública é positivo. Foram dados alguns passos, mas ainda subsiste.
E a possibilidade de se eliminar o visto prévio do Tribunal de Contas?
Não queria pronunciar-me em concreto. Mas tudo o que deve ser feito a esse nível também [é positivo], sobretudo no que toca a questões de financiamento europeu. Situações em que pode estar a colocar em causa recebimento de verbas por Estados-membros, deve-se procurar mecanismos mais ágeis. Temos em Portugal essa tradição do visto prévio.
Mas há muitos países que não têm.
Há muitos países que não têm. Isso não é uma coisa transversal a nível europeu.
A existência do visto prévio é fundamental para garantir que as regras são cumpridas? Ou há outros mecanismos?
Pode eventualmente ser compensado com outros mecanismos feitos a posteriori. Também há aqui uma outra dúvida, é saber se em alguns casos os próprios organismos não têm essa necessidade de validação para se sentirem mais seguros e avançar com o processo. Mas quando está em causa aqui questões de subvenções, é do interesse dos Estados-membros tentar avançar o mais rapidamente para evitar correr o risco de não só se atrasarem os investimentos, mas também de receber verbas a nível europeu.
Tem alguma sugestão para tentar acelerar a contratação pública de uma forma genérica e não apenas relacionada com os fundos europeus?
Não sendo especialista em contratação pública, tenho constatado várias vezes, na minha experiência, problemas sucessivos. Uma das áreas mais críticas é a questão da contestação poder levar à suspensão dos concursos. Outra coisa é ter algum cuidado na forma como são feitos os cadernos de encargos – serem feitos de forma mais realista. Tivemos o azar do período de inflação, que criou um problema adicional, porque muitas vezes foram feitos os cadernos de encargos e depois ninguém concorria porque os preços eram demasiado baixos. Não só o setor, de repente, teve uma grande procura e não conseguia responder a tudo, mas também houve um efeito da inflação sobretudo logo a seguir à invasão da Ucrânia, em que o preço de muitos materiais subiu de tal modo que as próprias empresas se sentiam inseguras sobre qual o valor a atribuir a cada empreitada.
source https://eco.sapo.pt/entrevista/fim-do-visto-previo-perante-risco-de-perder-fundos-deve-se-procurar-mecanismos-mais-ageis/











